O ROSÁRIO COMENTADO DO PONTO DE VISTA BÍBLICO - Parte 9
A cruz, segundo S. João, foi uma caminhada para a glória.
4.1. A ressurreição de Jesus
As narrativas que querem demonstrar a ressurreição de Jesus são de dois planos diferentes. Num primeiro plano mostram um Jesus que aparece vivo repetindo os mesmos gestos e acontecimentos miraculosos que aconteceram na vida pública: as pescas milagrosas, o comer algo nas festas e refeições, o repartir do pão e assim por diante. Um Jesus vivo. Mas também querem mostrar que ele está vivo, sim, mas de uma forma diferente dos tempos que precederam sua morte. Aos discípulos de Emaús, entre os quais estava seu tio, não o reconhecem à primeira vista. Só o reconhecem ao partir o pão. À Maria Madalena, que só o reconhece quando ele a chama pelo nome e que o quer tocar quando ele aparece a ela no jardim, ele diz: "Não me retenhas, pois ainda não subi para meu Pai" (Jo 20,17). O toque pareceria um gesto de querer possuir, ou guardar Jesus aqui. Mas Jesus quer dizer que ele está num estado diferente daquele que precedeu sua morte, mas que está vivo.
4.2. A ascensão de Jesus ao Céu (At 1,6-11)
A ascensão deixa entrever numerosos elementos bíblico-teológicos e sociológicos. Eis alguns
4.2.1. A impaciência pela parusia
Após a aparição de anjos às mulheres junto ao túmulo (Lc 24,5-8), Lucas é o único que narra a ascensão após quarenta dias. Quarenta é um número que, dentro do simbolismo dos números, quer indicar um tempo indeterminado de espera. Nos Atos dos Apóstolos esse número foi tomado significando um tempo de vivência de Jesus com os Apóstolos, os instruindo e estimulando. Porém, como se pode ver, a comunidade dos Apóstolos, e por consequência, a comunidade cristã depois, esperava a concretização da promessa de restauração feita a Israel. Eles se perguntavam a respeito do porque isso não acontecia diante da manifestação gloriosa e espetacular do ressuscitado: "Nós esperávamos que fosse ele quem libertasse Israel" (Lc 24,21). Existia impaciências de tipo apocalíptico nas primeiras comunidades cristãs e pouco depois, tomados por um ceticismo, os entusiasmos da primeira hora começam a esmorecer.
Os cristãos de então não conseguiam encontrar o novo sentido da história, agora marcada pela ressurreição. Isso porque não tinham ainda compreendido a força de Pentecostes onde Jesus afirma: "Recebereis uma força, a dos Espírito Santo que descerá sob vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda Judeia e a Samaria, e até os confins da terra" (At 1,8). Anteriormente ele disse a eles que era necessário que ele partisse a fim de que pudessem, agora sem sua presença física, mas pela força do Espírito Santo, cortado o cordão umbilical com o próprio Jesus terreno, se espalharem e serem testemunhas do ressuscitado em todos os recantos do mundo. A Ascensão de Jesus é um ato de confiança no ser humano a fim de que, sob a assistência do Espírito Santo, o projeto de Jesus pudesse ser conhecido em toda a terra.
4.2.2. Ser testemunhas
Logo após a ascensão de Jesus, dois homens vestidos de branco, como também junto à tumba, aparecem e dizem: "Homens da Galileia, por que estais aí a olhar para o céu?" (At 1,11). Eles também dizem que assim como ele partiu, ele um dia retornará. De um lado, eles anunciam aos desiludidos e já sem esperança de todas as épocas de que um dia Jesus haverá de retornar. A parusia, porém, aguardada deixa um espaço para a história. Os anjos convidam os apóstolos a entrar na realidade, lá onde se entrecruzam as relações e os conflitos entre as pessoas. "A tensão entre o céu e a terra, entre as coisas do alto e as de baixo, mundo divino e realidade humana, percorre a obra lucana e lhe dá o fascínio das realidades vivas" (Rinaldo Fabris, Atos, p. 53). A tensão entre ascensão e parusia criam um espaço onde o grupo dos apóstolos continuam a tornar cada vez mais a visível e atual a salvação inaugurada por Jesus. Um outro dado que se pode dizer, é que a ressurreição, a ascensão e Pentecostes, mesmo cronologicamente separadas na história, são um único momento. A ressurreição e a ascensão acontecem no mesmo dia. Jesus sobe aos céus deixando o Espírito Santo para a Igreja já nos seus albores. "O Espírito Santo é a alma da Igreja" segundo Sto. Agostinho, pois ele liberta as comunidades que formam a Igreja do provincialismo judaico e das limitações étnico-culturais abrindo-a para universalização.
4.3. Descida do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos (At 1,12-14; 2,1-4)
Pentecostes, dentro de uma ótica histórico-cronológica, teve seu momento de preparação. O próprio Jesus pede-lhes que se preparem. Estão presentes os apóstolos, a mãe de Jesus e outras mulheres e também os irmãos de Jesus. Na origem da Igreja, portanto, a mãe de Jesus também está presente. Os irmãos de Jesus não foram, inicialmente, muito entusiasmados com o projeto de Jesus. A tradição, porém, diz que após a sua experiência pascal formaram um grupo a parte e nem sempre aberto às novidades cristãs (cf. 1Cor 9,5; Gl 2,9.14). O mais famoso é Tiago, irmão do Senhor e bispo de Jerusalém. Em todo caso, esses formam o embrião ou miniatura que, apesar de suas diferenças, estavam unidos em oração: apóstolos, Maria e outras mulheres e os irmãos de Jesus.
"Tendo-se completado o dia de Pentecostes, [isto é, tendo chegado o quinquagésimo dia depois da Páscoa], estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído como o agitar-se de um vendaval impetuosos, que encheu toda a casa onde se encontravam. Apareceram-lhes, então, línguas como de fogo, que se repartiam e que pousaram sobre cada um deles. E todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia se exprimissem" (At 2,1-4). Este grupo recebe a força do espírito e oficialmente inaugura o tempo da Igreja. No hemisfério norte era primavera. A navegação no mar Mediterrâneo era mais tranquila. Por isso estavam em peregrinação, em Jerusalém, pessoas de todas as partes do mundo conhecido de então. Era uma obrigação para todos os judeus de fora da Palestina irem a Jerusalém em peregrinação ao menos uma vez na vida. Enquanto estavam aí todos ouviam os apóstolos falarem as maravilhas de Deus em sua própria língua. Esse fenômeno é muito maior e mais profundo do que o simples falar outras línguas. O profeta Joel disse: "Derramarei o meu espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões. Mesmo sobre os escravos e sobre as escravas, naqueles dias, derramarei o meu espírito" (Jl 3,1-2). Os tempos do Espírito não tem escolhidos especiais como no Antigo Testamento. Nos novos tempos não existe acepção de pessoas. Todos serão profetas: toda carne i. é, cada ser humano, independente de raça, sexo, cor, crença, situação econômica social política, ou seja, filhos e filhas, anciãos e jovens, servos e escravos. Estes serão os tempos do Espírito até o final dos tempos.
Dr. Frei Romano Dellazari, ofm
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