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SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO

MEDITAÇÕES FRANCISCANAS


Introdução

O dogma da Imaculada Conceição, bem como sua celebração litúrgica e sua devoção popular, estão intimamente ligados à Ordem franciscana e evidentemente à pessoa de São Francisco. Francisco, porém, nunca se dirigiu a Nossa Senhora explicitamente com os termos de “Imaculada Conceição”. Isto não significa, porém, que este mistério de Maria não tenha sido, de certa forma, contemplado, amado, vivido e proclamado por ele.


1. Maria na origem da conversão e vocação de Francisco e da Ordem

Segundo os biógrafos dois eventos marcam o primado absoluto da conversão e da vida de Francisco: o encontro com Jesus Cristo através do Crucificado de São Damião e o encontro com o Evangelho do Envio dos Apóstolos. Aquele na igrejinha de São Damião e este na capelinha dedicada à Virgem Maria, Nossa Senhora da Porciúncula. Por isso, não podemos estranhar que ele tenha também um relacionamento muito especial, prioritário, filial e carinhoso para com a Mãe de Jesus. Foi, no aconchego desta igrejinha e da Virgem Maria que se aclarou, se consumou o sentido maior, a paixão, o “tudo” de sua nova vida. Foi naquela igrejinha que teve início a Ordem dos Menores, e sobre ela se ergueu, como em sólido fundamento, sua nobre estrutura de inumerável multidão. Por isso, o Santo teve um amor especial por esse lugar, mais do que por todos (2C 12). Como, então, haveria de esquecer aquele lugar e aquela que é sua patrona, a grande mãe?


2. Maria em dois textos de Francisco

Por isso, embora sabedor que “o Reino dos Céus está em toda parte e que em qualquer lugar a graça divina pode ser dada aos escolhidos de Deus... a experiência lhe ensinara que aquele local da igreja de Santa Maria da Porciúncula estava cheio de graça mais abundante e era frequentado pelos espíritos celestiais. Dizia muitas vezes a seus Irmãos: “Não saiam nunca deste lugar, meus filhos... Aqui o Altíssimo nos deu crescimento quando ainda éramos poucos. Aqui iluminou o coração de seus pobres com a luz de sua sabedoria. Aqui incendiou nossas vontades” (1C 106).

Esta experiência, levou-o mais tarde a confeccionar esta bela Antífona para todas as Horas do Ofício da Paixão. Antífona, significa aquilo que dá a tonalidade inicial. Poderíamos dizer, então que esta oração indica a afeição, o amor que perpassa todo o Ofício que ele ordenou e compôs a fim de em todas as horas do dia celebrar a Paixão do seu Senhor.

Leiamos:

“Santa Virgem Maria, não há entre as mulheres no mundo, nenhuma nascida semelhante a ti, filha e serva do altíssimo e Sumo Rei Pai celestial, mãe do santíssimo Nosso Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo: roga por nós, com São Miguel Arcanjo, e com todas as virtudes celestes e com todos os santos, junto ao teu santíssimo dileto Filho, Senhor e Mestre”.

Com este título, esposa do Espírito Santo, Francisco começa a levantar o véu sob o qual se esconde a incomparável e única beleza de Maria - a imaculada - bem como a doçura de sua presença na vida de Francisco. Uma beleza igual à beleza ou pureza do próprio Filho. E, quem é puro, santo e imaculado, não poderia fazer o milagre de conceber pura, santa e imaculada aquela que escolhera desde toda a eternidade como sua Mãe?! Não se trata, portanto de uma beleza meramente moral ou ascética, mas ontológica, isto é, que toca o ser do ser de Maria.

Além dessa oração ou antífona, Francisco compôs também um admirável poema intitulado

Saudação da Bem-aventurada Virgem Maria

Ave, ó Senhora, santa Rainha, Santa Mãe de Deus, Maria, que és virgem feita Igreja.

Eleita pelo santíssimo Pai do Céu,

a quem consagrou com seu santíssimo dileto Filho e com o Espírito Santo Paráclito.

Em ti residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem.

Ave, ó palácio do Senhor;

Ave, ó tabernáculo do Senhor;

Ave, ó casa do Senhor.

Ave, ó vestimenta do Senhor;

Ave, ó serva do Senhor.

Ave, ó mãe do Senhor, e

Ave, vós todas santas virtudes infusas,

pela graça e iluminação do Espírito Santo

nos corações dos fiéis, fazendo-os, de infiéis, fiéis de Deus.

“Francisco ordena todo este seu poema ao redor de uma única e pequenina saudação, presente em quase todos os versos: Ave. Os louvores, que aqui decanta a Maria, parecem energias procedentes de uma fonte tão originária que, diante da mesma, não consegue senão repetir, todo extasiado e sempre de novo: Ave... Ave... Ave...

“Ave é fórmula de saudação equivalente à proclamação: Maria, tu és a bendita, tu és a bem-nascida, a bem-gerada no Senhor, a plena da graça e da saúde do Senhor.

Ao ver Maria, Francisco vê, antes e acima de tudo, a inefável Fonte para dentro da qual ela – Maria – se confunde, a saber: o Verbo eterno do Pai. É por isso que, em Maria, a plenitude de toda a graça e de todo bem, Jesus Cristo, pôde encarnar-se e realizar-se. Diante de um encontro tão profundo, em que o Céu e a Terra se dão as mãos, e o divino e o humano unem seus corações, palmilhando os passos da mesma história, Francisco só pode exclamar: Ave, Ave, Ave, ou seja: Que Graça, que Vida, que Gratuidade, que Bondade, que Pureza, que Beleza!

Ao contemplar a divina Mãe e a Mãe do Divino, Francisco parece ver em Maria o protótipo da alma humana, isto é, da alma perfeitamente unificada, na qual Deus, através de seu Espírito, torna-se fecundo n’Ele e por Ele mesmo. Nesse caso, a alma-mãe, a exemplo de Maria, que neste mundo dá à luz o próprio Deus, como que se funde n’Aquele que ela concebe” (Cf. Fontes Franciscanas, pág. 130).


3. O título “Imaculada Concepção”.

O título “Imaculada Concepção” (ou Conceição) significa que Maria, através da prévia graça redentora de Cristo, desde o princípio de sua existência, permaneceu preservada do pecado hereditário e, com isto, sua existência teve o seu princípio e o seu começo com a graça da justificação, comunicada por Cristo. Todo o ser humano é pensado por Deus, antes que como filho de Adão, como irmão de Cristo. Ele é o primogênito da criação: o primeiro de muitos irmãos. Enquanto tal, toda a pessoa humana é destinada pela vontade salvadora de Deus Pai a receber a graça de Cristo. Em Maria esta verdade do ser humano como filho do Pai e irmão de Cristo e morada do Espírito Santo se realiza de modo excelso e singular.

Nesta “filha de Adão”, nesta “filha de Eva”, o pecado dos primeiros pais não pôde ter qualquer atuação e qualquer efeito. Não gerou nenhum fruto de morte, como costuma gerar em todos os seres humanos. Assim, nela a humanidade de todos os homens e o universo criado inteiro foram repristinados. Tudo isso, porém, não por mérito de Maria, mas por graça do Filho muito amado do Pai. Devido à sua indissolúvel união com este Filho – por meio de seu “Sim” - Ele poderia se encarnar, realizando, assim, o “Summum Opus Dei” (a Suma Obra de Deus). Assim, pela Suma Obra de Deus, isto é, pela encarnação do Filho, Maria se mostrou como a Redimida por primeiro e previamente; aquela em quem a Redenção se deu desde o princípio da sua existência, deixando-a preservada do pecado hereditário. Se Jesus, o Filho de Deus que se tornou Filho do Homem, o Verbo que se fez carne, foi o primeiro a ser pensado e querido por Deus em sua intenção criadora, Maria, em virtude de sua união com Cristo, foi a primeira a ser pensada por Deus entre os redimidos por Cristo. Em virtude de sua destinação à maternidade divina ela foi concebida sem a mácula do pecado: daí o título “i-maculada concepção” (que não se confunde com a maternidade virginal de Maria).

No Reino de Cristo, portanto, ou melhor, na Comunhão dos Santos, Maria brilha com um brilho ímpar. Nela nunca a inimizade com Deus atuou. Nela nunca houve corrupção, rompimento entre a vontade de Deus e dela. Ela foi amiga de Deus, do começo ao fim, de sua existência terrena, sem interrupção. João Duns Scotus escreveu, certa vez:

Há no céu santos que nunca foram inimigos de Deus em ato, por um pecado atual, como aconteceu com os santos inocentes; e muitos outros que, às vezes, foram inimigos de Deus, como os que pecaram mortalmente, e depois fizeram penitência. Há também ali a Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus, a qual nunca foi inimiga de Deus, nem em ato em razão de um pecado atual, nem em razão do pecado original.


Conclusão

Por tudo isso, não se pode deixar de admirar que, logo em seguida, teólogos franciscanos, como Duns Scotus, chamados de “imaculistas”, que beberam diretamente dessa fonte originária de Francisco e da Ordem, tenham formulado em termos acadêmicos e formais o mistério da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Uma formulação que defenderam ardorosa e amorosamente, diante de outros teólogos contrários, durante séculos, até sua proclamação oficial pela Igreja como dogma em 8 de dezembro de 1850, pelo Papa Pio IX em sua bula “Innefabilis Deus”.

Em louvor de Cristo e de sua Mãe bendita e Imaculada Virgem Maria. Amém!


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm

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